A história da cidade assíria de Nínive

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A cidade de Nínive. Ilustração moderna do site Archaeology Illustrated

Nínive (atual Mosul, no Iraque) foi uma das maiores e mais antigas cidades da antiguidade. A área foi colonizada em 6000 a.C e, em 3000, tornou-se um importante centro religioso para a adoração da deusa Ishtar. A cidade primitiva (e os edifícios subseqüentes) foram construídos sobre uma falha geológica, conseqüentemente, sofreram dano de vários terremotos. Um desses eventos destruiu o primeiro templo de Ishtar que foi então reconstruído em 2260 a.C pelo rei acadiano Manishtusu.Mapa da Mesopotâmia destacando as principais cidades da época. Em azul a localização das capitais assírias, em verde outras cidades importantes e em vermelho a atual capital do Iraque, Bagdá.

Os amorritas ocuparam o local e um de seus reis, Shamshi-Addu I, reformou o templo e deixou inscrições registrando seus outros projetos de construção. O rei Salmanaser I (reinou entre 1274 e 1245 e também construiu a cidade de Kalhu) construiu um palácio e um templo lá e acredita-se que seja responsável também pelas primeiras muralhas ao redor do assentamento.

A Nínive de Senaqueribe

A cidade cresceu dramaticamente em tamanho, grandeza e fama, no entanto, sob o reinado do rei Senaqueribe (704-681 a.C), que fez de Nínive a capital do império assírio. Senaqueribe era o filho do rei Sargão II, que foi morto em batalha (uma morte considerada vergonhosa, porque acreditava-se que tal morte era uma punição dos deuses pelos pecados), e o novo governante queria se distanciar o máximo possível do destino do pai.Senaqueribe, rei da Assíria, fazendo exercícios a cavalo nos Jardins de Nínive. Século 8-7 a.C. Ilustração do site Archaeology Illustrated.

Senaqueribe abandonou a nova cidade e  capital de Sargão II, Dur-Sharrukin, e a transferiu para Nínive no início de seu reinado. Qualquer coisa que pudesse ser transferida de Dur-Sharrukin foi levada para Nínive. Ele construiu grandes muralhas ao redor da cidade com quinze portões, criou parques públicos e jardins, aquedutos, valas de irrigação, canais e expandiu  e melhorou as estruturas da cidade. Seu palácio (conhecido hoje como Palácio Sudoeste) tinha oitenta quartos e ele o proclamou “o palácio sem rival” (a mesma frase usada por seu pai para descrever seu próprio palácio em Dur-Sharrukin).O Palácio de Senaqueribe (Sudoeste) ao lado do zigurate. Século 7 a.C. Ilustração do site Archaeology Illustrated.

A historiadora Gwendolyn Leick observa: “Nínive, com sua população heterogênea de pessoas de todo o Império Assírio, era uma das mais belas cidades do Oriente Próximo, com seus jardins, templos e esplêndidos palácios” (LEICK, 2010, p.132, tradução nossa) e cita ainda Nínive como tendo uma série de canais e aquedutos cuidadosamente planejados e executados para assegurar um suprimento constante de água, não apenas para consumo humano, mas também para manter os parques e jardins públicos irrigados; um traço da vida urbana que nem toda cidade atendeu com tamanho cuidado e planejamento. Estudos recentes afirmam que os famosos Jardins Suspensos da Babilônia estavam realmente localizados em Nínive e foram construídos sob o reinado de Senaqueribe. O historiador Christopher Scarre escreve:

O palácio de Senaqueribe tinha todos os apetrechos usuais de uma importante residência assíria: figuras colossais da guarda e relevos de pedra impressionantemente esculpidos (mais de 2000 lajes esculpidas em 71 quartos). Seus jardins também eram excepcionais. Uma pesquisa recente da Assírióloga britânica Stephanie Dalley, sugeriu que estes eram os famosos Jardins Suspensos, uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Escritores posteriores colocaram os Jardins Suspensos na Babilônia, mas uma extensa pesquisa não conseguiu encontrar nenhum vestígio deles. O relato orgulhoso de Senaqueribe sobre os jardins do palácio que ele criou em Nínive se encaixa no dos Jardins Suspensos em vários detalhes significativos (SCARRE, 2007, p.231, tradução nossa).

A Nínive de Assurbanipal

Depois de Senaqueribe, seu filho Esarhaddon (reinou entre 681 e 669 a.C) assumiu o trono e continuou os projetos de construção de seu pai. Quando Esarhaddon morreu em campanha no Egito, sua mãe Zakutu governou brevemente como rainha até que ela legitimou a sucessão de seu filho Assurbanipal como o novo rei.

Sob o reinado de Assurbanipal (668-627 a.C), um novo palácio foi construído (conhecido hoje como Palácio Norte) e ele iniciou o processo de coleta e catalogação de todas as obras escritas na Mesopotâmia. O resultado de seus esforços foi a famosa biblioteca de Assurbanipal, que continha mais de 30 mil tabletes de argila inscritos, os livros da época. Outras melhorias e renovações foram feitas à cidade sob o reinado de Assurbanipal, o que reforçou ainda mais a reputação de Nínive como uma cidade de extraordinária beleza e alta cultura.Ashurbanipal e sua rainha nos Jardins do Palácio, Século 7 a.C. Baseado em um relevo assírio. Ilustração do site Archaeology Illustrated.

Palácios decorados com enormes e intricados relevos pintados foram construídos e os jardins públicos expandidos e aprimorados. O amor de Ashurbanipal pelo aprendizado e o interesse por obras escritas atraíram em grande número estudiosos e escribas para a cidade, e a estabilidade de seu reinado permitiu o desenvolvimento das artes, das ciências e das inovações arquitetônicas.

A queda de Nínive

Assurbanipal morreu em 627 a.C e seus filhos lutaram pelo controle do trono. O Império Assírio era tão grande que a sua manutenção era quase impossível. As regiões que estavam sujeitas ao domínio assírio tinham tentado se libertar por anos e, finalmente, viram sua chance. O historiador Simon Anglim escreve que, “embora os assírios e seu exército fossem respeitados e temidos, eram principalmente odiados… no último quarto do século 7 a.C, quase todas as partes do império estavam em estado de rebelião; estas não eram apenas lutas de liberdade, mas guerras de vingança “(ANGLIM, 2013, p.186, tradução nossa).

Incursões militares dos persas, babilônios, medos e citas começaram de verdade por volta de 625 a.C e o já enfraquecido Império Neo-Assírio não pôde impedir uma invasão em larga escala por muito tempo. Em 612 a.C a cidade de Nínive foi saqueada e queimada pelas forças aliadas dos persas, medos, babilônios e outros que então dividiram a região entre eles. A área foi pouco povoada a partir de então e, lentamente, as antigas ruínas foram enterradas na terra.

Nínive bíblica

Em 627 d.C, a área foi o local da Batalha de Nínive, a decisiva vitória bizantina na Guerra Bizantino-Sassânida (602-628 d.C). Esse engajamento colocu a região sob controle bizantino até a conquista muçulmana de 637. Enquanto outras grandes cidades da antiga Mesopotâmia eram reconhecíveis por suas ruínas, em Nínive não havia vestígios.

A cidade ficou conhecida na era cristã pelo papel central que desempenha na composição hebraica conhecida na Bíblia como O Livro de Jonas. O Livro de Jonas foi escrito entre 500 e 400 a.C, descrevendo eventos de centenas de anos antes, no reinado do rei hebreu Jeroboão II (786-746 a.C). Enquanto, no Livro de Jonas, a cidade é poupada da ira de Deus, outras referências a Nínive na Bíblia (Os Livros de Naum e Sofonia, entre elas) predizem a destruição da cidade pela vontade de Deus (embora seja certo que estas obras foram escritas depois que a cidade já havia caído e a ‘predição’ é, portanto, simplesmente uma história retrabalhada). O Livro de Tobias acontece em Nínive e os Evangelhos de Mateus (12:41) e Lucas (11:32) mencionam a cidade.

Assim como a Babilônia, Nínive nunca é mencionada favoravelmente nas narrativas bíblicas e, como o foco desses escritores estava na história do deus dos hebreus, nenhuma menção é feita às alturas culturais e intelectuais às quais Nínive se elevou em seu apogeu. De fato, no Livro de Naum 3:7, o escritor afirma que Nínive caiu e pergunta, retoricamente, quem chorará por ela. O verso completo diz: ” E há de ser que, todos os que te virem, fugirão de ti, e dirão: Nínive está destruída, quem terá compaixão dela? Donde te buscarei consoladores?” Embora os escritores das narrativas bíblicas possam ter pensado mal da cidade, ela estava entre os maiores centros intelectuais e culturais de sua época e, sem dúvida, muitos lamentaram a sua destruição.

A redescoberta

As ruínas ficaram enterradas até que foram descobertas e escavadas por Austin Henry Layard em 1846 e 1847. O trabalho adicional de Campbell Thompson e George Smith, entre outros até os dias atuais, revelou o escopo magnífico desta outrora grande cidade. O local é conhecido hoje pelos dois montes que o cobrem: o Kuyunjik e o Nebi Yunus. O monte Kuyunjik foi escavado e todos os principais achados vieram dessa área. O monte Nebi Yunus (cujo nome significa “Profeta Jonas”) permanece intocado devido a um santuário islâmico ao profeta e um cemitério construído ali. Nos anos 90, o local foi vandalizado e vários painéis bem preservados foram quebrados e roubados, aparecendo mais tarde à venda no mercado de antiguidades.

Hoje, Nínive corre o risco de invasão devido a expansão urbana dos subúrbios de Mosul e foi prejudicada por novos atos de vandalismo. Em 2010, a Global Heritage Fund listou as ruínas entre os seus principais sítios ameaçados, por estas e outras razões. Certa vez, porém, a cidade estava entre as maiores da Mesopotâmia, lar da deusa Ishtar, e não há dúvida de que Senaqueribe e os reis que a construíram antes e depois dele acreditavam que a glória de Nínive duraria para sempre.

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